Justiça

STF por 9 a 2, opta pela Constituição em vez da bíblia na pandemia

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Por Eloísa Machado, especial para a coluna* Uma decisão monocrática processualmente controversa e juridicamente questionável bagunçou o coreto no Supremo Tribunal Federal (STF), monopolizando a pauta de julgamentos da semana e criando embates entre ministros.

A liminar de Kassio Nunes Marques impedia quaisquer restrições a locais de culto, independentemente da situação da pandemia de covid-19, contrariando decisão prévia do próprio tribunal que dava este poder a prefeitos e governadores. O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, deu decisão em sentido contrário em outra ação, criando uma quase inédita situação de duas decisões conflitantes e em vigência oriundas da mesma corte. O tema foi resolvido. O plenário do STF decidiu (mais uma vez), e pelo placar de 9 votos a 2, que é possível a gestores locais manterem restrições ao funcionamento de igrejas, templos e outros locais de cultos durante as fases mais agudas da pandemia.

O julgamento pode ser analisado em três pontos: 1) a proporcionalidade das restrições à liberdade religiosa; 2) as exigências de saúde pública durante uma pandemia fora de controle; 3) a anunciação dos setores conservadores em disputa no Supremo Tribunal Federal. A maioria dos ministros corroborou, mais uma vez, que nenhum direito fundamental é absoluto. Por mais que tenha havido a tentativa de alçar a liberdade religiosa a um status privilegiado frente aos demais direitos, o tribunal reconheceu que a liberdade religiosa – que inclui a liberdade de não crer em nenhum elemento místico – se comporta como os demais direitos, permitindo, portanto, restrições proporcionais.

O direito à liberdade religiosa não é um direito fundamental maior do que os outros e não pode sê-lo, na medida em que pessoas que não creem e não exercem qualquer prática religiosa não podem ser consideradas pessoas com menor dignidade. As crenças religiosas são assuntos privados, e nessa dimensão merecem respeito, mas não são razões suficientes para mobilizar ou orientar a elaboração de políticas públicas.

Por isso, o STF entendeu que a existência de uma pandemia mortal e absolutamente fora de controle no país justifica a restrição proporcional ao exercício da liberdade religiosa em cultos coletivos, em locais fechados e com aglomeração, cientificamente reconhecidos como propagadores do vírus. Aqui, a saúde pública é razão jurídica suficiente para restringir temporariamente a fruição da liberdade religiosa em igrejas e templos. Afinal, durante uma pandemia, uma série de direitos foram acomodados para garantir a sobrevivência da espécie humana.

Não é lícito ao Estado, por qualquer de um dos seus Poderes, seja o Executivo ou Legislativo ou Judiciário, adotar medidas irracionais para combater a pandemia de covid-19. Optar por medidas que contrariam evidências científicas é cometer erro crasso, implicando responsabilização pelos danos decorrentes da implementação de uma política negacionista. Ou seja, se as medidas sanitárias para combater a pandemia exigirem a restrição ao funcionamento de locais de culto, assim será feito, a partir de evidências científicas, de forma proporcional, pelos gestores locais, como tem reiteradamente decidido o STF.

Foi possível notar um desconforto dentre os ministros em revisitar decisões já tomadas para dizer o óbvio: o país ruma aos 400 mil mortos e nem o negacionismo, nem o direito à morte, têm amparo na Constituição Federal. Da questão do uso da cloroquina à vacinação, do custeio federal de leitos de UTI ao endosso a medidas sanitárias, o Supremo tem afastado – com grande custo – a agenda negacionista de Bolsonaro.

Dessa vez, o negacionismo científico foi levado ao tribunal por setores conservadores religiosos que não disfarçaram suas intenções de capturar a razão pública a partir da lente religiosa. Acostumados aos bastidores, esses setores religiosos ocuparam a tribuna e usaram trechos da bíblia como argumento – e até como ameaça. A Constituição, que é bom, foi quase esquecida. Para esses defensores da liberdade religiosa absoluta, a religião substitui o Estado. É o templo e a autoridade religiosa que decidirão aglomerar ou não fieis, independentemente das consequências sanitárias.

A sustentação-pregação de advogados particulares – e públicos, pasmem – sensibilizou o ministro Kassio Nunes Marques, que em seu voto chegou a delegar às religiões a missão de assistência social e promoção de saúde mental, como se essas não fossem direitos constitucionais garantidos através de políticas públicas. O voto dele foi comemorado pelo presidente da República em redes sociais. Felizmente, Nunes Marques ficou vencido, acompanhado apenas de Dias Toffoli. Em breve, terão companhia de outro ministro terrivelmente indicado por Jair Bolsonaro. (*) Eloísa Machado é professora da FGV Direito-SP e coordenadora do centro de pesquisas Supremo em Pauta.

 

 

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Justiça

Empresários são alvos de ação que busca financiadores do 8 de janeiro

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São eles Joveci Xavier de Andrade e Adauto Lúcio de Mesquita

Dois empresários foram presos nesta quinta-feira (25), na 25º fase da Operação Lesa Pátria, deflagrada pela Polícia Federal (PF). O objetivo é identificar pessoas que financiaram e fomentaram os fatos ocorridos em 8 de janeiro de 2023 em Brasília, quando o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) foram invadidos.

Os alvos são Joveci Xavier de Andrade e Adauto Lúcio de Mesquita, ambos sócios do grupo Melhor Atacadista. Em nota, a defesa dos empresários informou que não teve acesso à decisão emitida pelo STF. “Ressalta-se que, desde o início, houve esforços para esclarecer todos os fatos, compromisso que será mantido perante o Supremo Tribunal Federal”.

“A realização de apurações pelo Estado é considerada válida, e os investigados veem agora a oportunidade de elucidar completamente as questões em aberto”, destacou a nota. “Eles reiteram seu compromisso com a democracia, o Estado de Direito, o respeito às Instituições, ao processo eleitoral, ao Ministério Público e ao Judiciário, com especial ênfase na sua instância máxima, o Supremo Tribunal Federal.”

“O grupo do qual Joveci e Adauto são acionistas reitera que é contra o vandalismo e a intolerância política e acredita que a democracia é feita com pensamentos diferentes, mas jamais com violência. A diretoria do grupo respeita as Instituições brasileiras, a democracia e o Estado de Direito.”, concluiu a nota.

CPI

Ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Joveci Xavier de Andrade negou ter participado dos atos de 8 de janeiro em Brasília – mas admitiu ter estado no local no momento em que as invasões aconteceram.

Em seu depoimento, o empresário disse não ter patrocinado alimentação, trio elétrico, outdoors ou faixas de protesto utilizadas nos atos. “Não tenho conhecimento de como eles se sustentavam. Minha empresa não compactua. Lá, só sai mercadoria paga”, afirmou.

Questionado sobre possíveis ações do seu sócio, disse: “Não posso responder por meu sócio, Adauto, enquanto pessoa física”.

A operação

Estão sendo cumpridos 34 mandados judiciais, sendo 24 de busca e apreensão, três de prisão preventiva e sete de monitoramento eletrônico – todos expedidos pelo STF. As ações ocorrem no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, no Tocantins, no Paraná, em Mato Grosso do Sul, São Paulo, no Espírito Santo e Distrito Federal.

Ainda de acordo com a PF, foi determinada a indisponibilidade de bens, ativos e valores dos investigados. A estimativa é que os danos causados ao patrimônio público possam chegar à cifra de R$ 40 milhões.

“Os fatos investigados constituem, em tese, crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa, incitação ao crime, destruição e deterioração ou inutilização de bem especialmente protegido”, destacou a corporação.

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